No Rio Grande do Sul, a história dos jogos é um pouco parecida com a Brasileira, mas tem seus traços locais. Além da forte participação das Universidades, desenvolvedores foram ágeis para usar a Internet na divulgação do seu trabalho, além da marca deixada pelo olhar da Ubisoft no país.

No início dos anos 80, a microinformática começou a marcar presença em lares, deixando de ser algo distante. Assim, a informática que era sinônimo da antiga fábrica da Edisa às margens da freeway também passou a ser profissão. A edição da revista Micro Sistemas de fevereiro de 1982 apresentava a nova linha de equipamentos produzida no país, com tecnologia própria, e reflexo da parceria entre o Governo do Estado, Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul e Grupo Iochpe. Ou seja, além da Zona Franca de Manaus, o RS também produzia equipamentos. Para ter ideia do contexto da época, um artigo defendia a necessidade de ter um computador nas empresas na mesma edição.

Clubes de desenvolvedores, como o Brazillian Apple Clube reuniam entusiastas que trocavam programas e experiências. Além disso, nos classificados dos jornais, pequenas empresas anunciavam seus serviços no Centro de Porto Alegre. O cliente chegava ao local, escolhia os programas em uma lista e encomendava uma fita, posteriormente disquetes, com jogos por preços menores e com maior variedade do que os produtos vendidos em lojas como Cambial, Sulcolor, Casa dos Gravadores e Sandiz. Em locais como a Galeria do Rosário, no térreo estavam as lojas oficiais e a pirataria apenas alguns andares acima.

Apesar disso, não houve progresso na criação de produtos com a cultura gaúcha. Apesar dos diversos códigos veiculados nas páginas para posterior digitação e o comércio de fitas cassete com jogos, era difícil encontrar “vitrines” para mostrar o que era produzido. A Internet, mesmo na sua origem, conseguiu mudar isso. As bulletin board systems (BBSs), redes de computadores conectados por telefone, serviram para que profissionais da Informática compreendessem que a sua criação poderia alcançar um público maior do que a distribuição física.

Em 1992, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul recebeu um supercomputador Cray, fato que foi notícia na época. Porto Alegre possuía um dos computadores mais rápidos do mundo, em uma época que um aparelho como este também era visto como uma arma de guerra. Aos poucos, a ideia de montar uma empresa para produzir software ganhou novos contornos entre os estudantes universitários, que também observaram o potencial dos jogos para os negócios.

Depois de compartilhar versões demo digitalmente – e congestionar alguns servidores –, um super-herói diferente surgiu em 1996. Criação da Jack-in-the- Box, Guimo foi lançado para computadores que rodavam o então sistema vigente MS-DOS. Em inglês, era um produto local com olhar para o mercado internacional.

Diferente de outros jogos, Guimo foi lançado com uma publisher, teve distribuição tradicional em lojas e era vendido em caixa com disquetes. Ou seja, foi um produto criado como manda o figurino. Apesar disso, não recebeu atenção da imprensa local, apenas registro da Folha de São Paulo em 7 de maio de 1997 para o download da versão demo. A nota indicava que o jogo “promete emoções aos gamemaníacos loucos por ação”.

Seu sucesso rendeu páginas de fãs na Internet anos depois e serviu como cartão de visitas da empresa, que mudou seu nome para Southlogic logo depois. Na sequência, produziram o jogo de estratégia em tempo real Aquarius em 2000 e os simuladores de caça Trophy Hunter 2003 em 2002 e Deer Hunter 2004 em 2003, estes últimos publicados nos Estados Unidos através da Atari.

Isto foi motivo de matéria no jornal Estado de São Paulo em 21 de setembro de 2003. O texto “Americanos se divertem com jogos brasileiros” destacava a internacionalização da produção local, com destaque para a Southlogic e seu sócio norte-americano Christopher Kastensmidt. Com experiência na indústria da informática, a sua vinda para o Estado alterou a produção local. Além da participação decisiva na vinda da Ubisoft, a atuação nas universidades e diálogos com empresas marcou a formação de diversos desenvolvedores.

Outro importante jogo gaúcho veio do interior e também foi lançado para Windows. Hades 2 foi lançado em 1999 pela Espaço Informática, de Santa Cruz do Sul. Produzido pelos irmãos Augusto e Gustavo Bülow, apresentava uma temática de ficção científica com gráficos que buscavam uma aproximação com o cinema através da captura de imagens. Posteriormente, diversos jogos foram produzidos, até mesmo para o público alemão como Der Pferderennstall e sua simulação de um haras que produz cavalos de corrida.

Outro passo importante foi a criação dos cursos universitários para a formação específica em jogos digitais. A Unisinos foi a primeira instituição a oferecer uma graduação específica em 2005, seguida pela Feevale. Posteriormente, surgiram cursos na Ritter dos Reis e Faccat.

Outro movimento importante foi a breve presença da Ubisoft no Estado. Após parcerias com a Southlogic, a empresa gaúcha foi comprada pela francesa, resultando na instalação de um estúdio no TecnoPUC. A operação iniciou em janeiro de 2009, porém os planos mudaram em setembro do ano seguinte. Orientações globais da empresa resultaram no encerramento das atividades de diversos estúdios, incluindo a filial gaúcha. Apesar disso, sua contribuição para o cenário local pode ser vista até hoje no início da atração de talentos de todo o Brasil para trabalhar no Estado e o auxílio no início das atividades da especialização voltada para o tema na PUCRS.

A breve presença da Ubisoft foi importante para que diversas pessoas descobrissem a produção de jogos, iluminando ainda mais o cenário. Os criadores de Guimo tomaram um novo rumo com a criação da Rockhead, já em 2010 investindo no mercado mobile. O sucesso posterior de Starlit Adventures decorre da experiência em títulos como Master of Words e Pixel Shaper, este último destaque nos primeiros meses do Windows Phone. Além disso, permaneceram lecionando, contribuindo para a formação de talentos.

Curiosamente, no mesmo prédio outrora ocupado pelos franceses, a gaúcha Aquiris instalou as suas operações e em menos de uma década tornou-se referência mundial. Depois dos primeiros advergames para computadores, com destaque para Super Vôlei Brasil, lançaram Ballistic, um jogo de tiro em primeira pessoa para Facebook. O portfólio foi ampliado com parcerias importantes como Cartoon Network, impulsionando a criação de um novo jogo autoral. Horizon Chase não apenas resgatou a essência dos jogos de corrida de outrora, mas também recebeu diversos prêmios e foi destaque na iTunes Store, um feito inédito até então para os desenvolvedores gaúchos.

Aos poucos, o Rio Grande do Sul tornou-se um dos principais centros de produção no país. O passo seguinte das empresas foi a formação da Associação dos Desenvolvedores de Jogos Digitais do Rio Grande do Sul (ADJogosRS). Inicialmente lançada em maio de 2012 durante uma missão do Governo do Estado para captar investidores ingleses em Londres, evoluiu anos depois para o primeiro Arranjo Produtivo Local (APL) dedicado ao tema. Este reconhecimento formal do Estado permite ao grupo promover seu trabalho em eventos no exterior e também com atividades locais, como o Dash Games. Desta forma, empresas como Rovio (criadores de Angry Birds) e PikPok, entre outras, vieram até o RS conhecer os profissionais daqui.

O fortalecimento das empresas acompanhou o incremento na produção para o mercado mobile. Como observado no país, a possibilidade de criar para estes dispositivos sem a necessidade de máquinas especiais como nos consoles e um mercado amplo atraíram os criadores, fortalecendo o desenvolvimento de pequenas empresas. Outra vantagem da Internet é a facilidade para mobilizar pessoas com interesses comuns, fator utilizado no crowdfunding do jogo Tormenta: O Desafio dos Deuses. Produzido pela Feevale, contou com a colaboração de fãs para a viabilização do projeto, um dos primeiros jogos a utilizar este expediente.

Entre os consoles, Toren tornou tangível a esperança de um jogo diferente e com um olhar diferente. A primeira produção gaúcha para o PlayStation 4 também foi um dos primeiros jogos contemplados pela Lei Rouanet, que permite buscar recursos para fomento junto à empresas que cedem lém de ser uma das primeiras produções No lugar dos tradicionais heróis, o jogador acompanha a formação de uma jovem guerreira.

Outro fato positivo foi a participação de gaúchos no programa GameFounders, um fundo de investimentos mundial dedicado para empresas de jogos. Membros da Cupcake, Swordtales e Imgnation viajaram pelo mundo acumulando experiência. Esta última, localizada em Santa Maria, é um dos expoentes da força do Interior. Reconhecida globalmente pela produção de jogos em Realidade Virtual, desenvolveu uma versão para o Samsung Gear VR de Angry Birds. Este movimento também é observado em Passo Fundo, através da Southbox Studios.

Desta forma, o mercado de jogos no Estado segue em expansão, mesmo com desafios econômicos e tecnológicos.